3.7.08

o texto de todos os textos

"Não é monstruoso que esse ator aí,
Por uma fábula, uma paixão fingida,
Possa forçar a alma a sentir o que ele quer,
De tal forma que seu rosto empalidece,
Tem lágrimas nos olhos, angústia no semblante,
A voz trêmula, e toda a sua aparência
Se ajusta ao que ele pretende? E tudo isso por nada!
Por Hécuba!
O que é Hécuba pra ele, ou ele pra Hécuba,
Pra que chore assim por ela?"
(W. Shakespeare,Hamlet - AtoII, cenaII)

É monstruoso. Se deparar com Hamlet. Descobrir. Que ele é o texto de todos os textos. Com tantos significados que, ao tentar descobrir o seu significado dentro dele a alma se perde. O que quero dizer com Hamlet? Não. Não é o mesmo que eu queria dizer com Hécuba. Nem com Sancho. Nem com a Nell. Nem com ninguém.

Eu quero dizer o que o Hamlet diz.Quem é você para que chore assim por Hamlet? Eu sou Aline Baba. Eu sou atriz. E o Hamlet me importa. Não é por nada. Se fosse por nada seria vazio. E o príncipe dos príncipes viria de mim se vingar.

O desafio. Talvez ele nunca seja cumprido. O de ser Hamlet. Como ele é. Não sei se algum dia verei alguém sendo. Acho que todos os caminhos levam pro "não ser".

A cada minuto no mundo, eu tenho certeza que tem alguém interpretando Hamlet. Buscando ser. E. Não sendo. E é por isso que esse texto é uma lenda. É por isso que Hamlet é O Personagem. Talvez incapaz de se personificar. Em todas suas nuances.

Acho que cada Hamlet no mundo deixa um pouco a desejar. Só o próprio príncipe da Dinamarca pode sê-lo.

O dia que alguém o for acabou o teatro. Porque acabou a busca. A busca que é ser ator.

Ah. Eu choro por tantas coisas Hamlet. Talvez e inclusive por Hécuba. Mas você tem razão. Que ator chora por ela? Se estando no palco não sabe onde está?

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