31.3.08

todos acham que podemos chorar

Fulano: Você é atriz. Então chora aí.

Todo ator já se viu em uma situação constrangedora como essa. E. Acreditem. Se lágrimas escorreram de seus olhos: foi de desgosto.

Ninguém chora sem motivo. Se não for concreto. No mínimo é descontrole emocional. As pessoas muitas vezes confundem atuar com fingir. E mesmo fingir é um motivo.

Se eu choro. Eu choro. Choro para não rir. E muitas vezes fico triste de verdade. Parafraseando Ham.

Ninguém controla as emoções porque um outro o quer. Um ator quando chora é porque alguma emoção forte o levou a isso. Um motivo qualquer. Na maioria das vezes é a própria ação em cena que o leva a tal. Não um comando. Não uma obrigação. Somos atores porque nos emocionamos com nosso próprio trabalho. E não porque fingimos nos emocionar.

Chimpanzé não sou.

Crocodilos não somos.

27.3.08

hoje é o dia mundial do teatro

Sim. É hoje. É dia de refletir o quanto o teatro é importante para a gente. Principalmente. De refletir pelo quê gostaríamos de lutar.

Em São Paulo. Hoje. Acontece um grande ato-público em uma tentativa desesperada de abrir os olhos das autoridades sobre nossa força. A marcha até o Teatro Municipal acontece enquanto estamos passando por um momento delicado.

Achando que estão fazendo um grande movimento. As associações e produtores do Rio e de SP, apoiados por atores globais, discutem junto ao governo a criação da "Lei Geral do Teatro". Que nada mais é que uma cópia da Lei Rouanet, focada no teatro. Dedo no umbigo. Que diferença faz isso para nós? Os investimentos continuarão concetrados nas mãos de grandes produtores.

Digam não. Nós temos força. Estão aí o Movimento Redemoinho e a Cooperativa Paulista de Teatro. Não nos deixam mentir. Enquanto continuarmos nas mãos da iniciativa privada a Regina Duarte sempre ganhará da Aline Baba. Marco Nanini sempre ganhará de você.

maiores informações: http://www.cooperativadeteatro.com.br

26.3.08

mãos ao alto

Estou me sentindo de volta ao passado. Na época que eu tinha o "Baba Blog". Alguns devem lembrar. Nele eu reportava a minha incredulidade perante notícias bizarras da humanidade. Célebres relatos como: "Rato gordo morre entalado em impressora" e "O homem que coleciona e se orgulha de ter a maior bola de arame farpado do mundo".

Vamos aos fatos. Esses últimos dias foram marcados pelo Festival de Teatro de Curitiba. Cidade em polvorosa. Milhares de peças acontecem no circuito oficial e no circuito off (Mostra Fringe). O Festival ocorre há anos. A cidade inteira se prepara sempre para receber os atores. Peças acontecem nas ruas, praças e avenidas.

Aí é que está o bizarro. Abajour Lilás. Plínio Marcos. Texto violento. E... arma na cabeça. E não era encenação. Um vendedor ambulante se invocou com o texto cheio de palavrões e, se passando por um policial militar, apontou uma arma para a cabeça dos atores.

Nem Augusto Boal conseguiria uma reação tão espantosa. Muito menos Plínio Marcos suspeitaria de tal cretinice, com todo conhecimento sobre o submundo.

Em Curitiba não se fala palavrão. Afirmou o falso policial. Atores correndo. Ninguém foi preso. Mas o ambulante deveria ter recebido o Oscar de maior sem noção. Essa província chamada Brasil às vezes me assusta.

Corram. Corram.

Se ficar o bicho come.

notícia original: http://jornale.com.br/zebeto/2008/03/23/abajur-lilas-e-arma-na-cabeca-dos-atores/

24.3.08

teatro: uma familia italiana

Podem falar. Pode gritar. Podem espernear. Mas eu vou falar. Boa parte da minha famílía é italiana. E eu nunca vi. Nunca vi na minha vida maior teatro que esse. E não é, nem pensar, no mau sentido.

Se há algum lugar no mundo onde as emoções são colocadas a flor da pele. Até as últimas consequências. É no almoço, ingênuo, de uma família italiana.

Assisti Fellini ontem. Não sei como pude ficar tanto tempo sem ter visto essa cena.

Quando assisto uma peça e sinto a mesma sinceridade que há num almoço como esse. Basta. É tudo. Se não fosse Felinni seria a minha, a tua ou qualquer outra família. Magistral.



(detalhe para o avô na cena - pelo amor de Deus)

20.3.08

cidadão dançante

Um, dois, trés, quatro, cinco, seis, sete e oito. Desde os cinco anos de idade eu sigo meus passos por essa contagem. Danço. Danço. Dançante.

Há algum anos atrás eu descobri o Ivaldo Bertazzo. Comecei as aulas na Escola do Movimento e de lá pra cá essa "descoberta" se transformou em "auto-descobrimento". A escola desse ilustre cidadão não podia, realmente, ter outro nome. Lá você aprende não só a dançar. Mas a perceber o seu corpo e entender seus gestos.

Não é preciso dizer o quanto isso é importante para o trabalho do ator. Mas, antes de tudo pra vida. Um cidadão que não dança nunca perceberá a importância de sentar e levantar de uma cadeira corretamente. Isso pode mudar tudo. Acredite.

As pessoas sentem dor geralmente porque estão usando seu corpo de forma errada. Tomar consciência desses pequenos gestos do dia-a-dia é abrir espaço. É preservar.

Eu danço. Danço. Sou dançante.

Um, dois, trés, quatro, cinco, seis, sete e oito.

(eu em Cidadão Dançante - Anotomia do Desejo ParteI - TUCA/SP - abril de 2007)


site da Escola do Movimento: http://www.ivaldobertazzo.com.br/

18.3.08

o dia em que Beckett virou pastelão

Surpreendente. Mais surpreende que um espetáculo é a reação das diversas platéias ao assistí-lo. Muitas vezes elas pegam os atores de calças curtas. Concentração. Indispensável para que o espetáculo possa dar andamento diante do inesperado.

Sexta passada isso aconteceu. Um público reagiu inesperadamente ao texto de Fim de Partida dando milhões de gargalhadas. Como se tivessem assistindo ao Gordo e o Magro recebendo tortas na cara.

Nós atores. Surpresos diante da situação. Quebramos. O espetáculo seguiu diante da nossa perplexidade. De repente. Pessoas riam. Riam com gosto. E toda angústia beckettiana. Toda aquela falta de perspectiva nos devolveu um novo olhar.

Realmente Nell tinha razão: Nada é mais engraçado que a infelicidade, com certeza.

Foi a prova cabal.

14.3.08

depois dos aplausos

Sempre que acaba uma sessão. Aplausos. Nessa hora você pode prestar atenção na platéia. É sempre uma emoção poder enxergar aquelas pessoas que pararam duas horas de sua vida para ver o seu trabalho.

Público espontâneo. Amigos. Família. Seja quem for. Satisfação.

Clap. Clap.

Abraço apertado.

Mas o melhor. Melhor mesmo. É quando avistamos aquele rosto conhecido. De alguém que a gente não esperava. Pessoa querida. Lá. De pé. Surpresa boa. Prestígio.

Faz valer a pena.

10.3.08

sempre há desordem nas casas sem ordem

O título é uma frase do personagem Malherbe de As Relações Naturais, do polêmico e misterioso autor gaúcho Qorpo Santo. Às vezes me sinto numa verdadeira desordem. O teatro é o que não podemos chamar de linear. Vive-se o presente. Vive-se de encontros. Vive-se de pessoas. E entre essas pessoas existe uma linha tenue que está sempre estrapolando entre o o pessoal e o profissinal. Acho que não existe profisssão em que as relações se tornem mais intensas.

Aquela é sua família. É gente que acredita no que você acredita. A desordem no nosso coração é tão grande que separar as coisas parece quase sempre impossivel. Passional. Totalmente. Essa é a palavra.

Afinal, vivemos com aquelas pessoas situações e emoções mais intensas que a própria vida real. Porque são coisas que ultrapassam o nosso limite. Cada dia uma superação. Cada texto. Cada peça. Uma vida parelela. Um vínculo.

Por isso dói quado alguém abandona um trabalho. Por isso dói como se fosse uma pequena morte dentro de nós. Mas seguimos em frente. Dizem que ninguém é insubistituível. Pelo menos em um papel. E não é mesmo. Mas um buraquinho dolorido sempre fica. E a presença daquela pessoa é eterna. Porque mesmo sendo o mesmo papel, sempre será um novo personagem.

6.3.08

ator gramafone

Lendo. Lendo. Lendo. Que se aprende. Craig e Meyerhold. Grandes encenadores do século XX. Marionetes. Conceito um pouco assustador. Assustador só no nome.

Na verdade maravilha-me ler o que os dois pensavam sobre o trabalho do ator. Cansa-meu um pouco ver certos atores esperando que o diretor lhes dê todo o caminho a ser traçado. Parados. Com cara de interrogação. O ator é o centro da sua pesquisa.

Diretriz. O encenador está apenas para direcionar a pesquisa do ator. Palavras de Meyerhold. Ator pensa. Ator dialoga. Ator tem personalidade. Principalmente. Ator tem corpo. E precisa ter o domínio do gesto. Se observar.

"Abaixo o teatro do ator gramafone!", escreve Meyerhold em 1914 (veja quantos anos se passaram). Fantástico. Ator gramofone, diz ele, é aquele que não leva em conta nada além de falar. Na sua boca se põe o texto como se põe um disco no gramofone.

Já temos operadores de telemakerting pra fazer isso por nós. Vamos sacudir o esqueleto. Estudar. Criar nossos gestos. Vida ao texto. Vida ao ator. Vida à vida.
 
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